segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Desassossego


O desassossego, lágrimas que o definem, jorram fluentemente, descaindo num rosto desprotegido pela vida leviana que o tomou.

Prazeres promíscuos cultivados numa beleza desconcertante, destino que se prolonga numa existência infundada em volta do seu escárnio.

Sorrisos inocentes que se revelam, brotando em toques mordazes, despertando a vontade de sentir o que ainda não se sentiu.

Fragmentos de vida que se retratam em marés negras flutuam sem rumo.

Pensamentos incultos, numa vida mal fadada.

O pressentimento, o olhar que penetra e dilacera o sentimento mais fraco.

O amor, um desassossego.
by SummerParis

sábado, 29 de dezembro de 2007

Asfixia, Pedro Paixão


Não pensar, não prever, não analisar, agir. Agir. Num ápice saltei para a primeira fila e sentei-me na cadeira ao lado da tua. Olhava para a Andie MacDowell no écran esforçando-me para achá-la bela, a mais bela de todas as mulheres. Tu também não olhaste para mim, endireitaste-te na cadeira levantando ligeiramente o teu corpo magro, desajeitado. Eu disse: Agarra a minha mão. Por favor agarra a minha mão com a tua. Antes de te olhar, antes de descobrir a tua cara, os teus olhos, a tua perplexidadade, antes de te olhar pela primeira vez, antes de te olhar, antes de mais nada, agarra a minha mão. Recebe a minha mão. Dá-me a tua mão. E tu nao hesitaste e não perguntaste e não analisaste e não fizeste contas à vida. Sorriste só. A minha mão esquerda e a tua mão direita. Duas mãos segurando-se uma à outra. Duas mãos a dançar. A tua mão grande, os dedos compridos, esguios, firmes, a agarrarem a minha mão com força, a pegarem e a largarem e a apertarem e a sentirem suavemente a pele e a apertarem outra vez e a fazerem vibrar todos os nervos do meu corpo e a darem mil voltas por trás e pela frente e pelos lados, os teus dedos entrelaçados com os meus, a abraçarem, a colarem as nossas mãos. E depois as mãos soltas e os dedos a desbravarem os secretos caminhos entre as linhas da vida nas palmas das mãos e os braços e os antrebaços nus a acompanharem a dança. Sao precisos dois para dançarem o tango. Nao era uma valsa, nao. Era um tango. Um tango argentino dançado na perfeição pelas mãos de dois desconhecidos. Sem palavra alguma. Nenhuma era precisa. Dua mãos a dançar. Dois estranhos segurando-se pelas mãos. Duas mãos a fazerem amor. As mãos de dois estranhos faziam amor. As mãos faziam amor. Faziam amor.

(Excerto de "Mãos")